INTELLIGERE: explicar a evidência, pela representação do invível através do corte vertical em Arquitectura
segunda-feira, 30 de março de 2015
Outras
“ruas da estrada”…
Há
seis anos que lá não vou,… mas recordo que vivi dezanove anos num lugar onde a
Estrada Nacional 125, no Algarve, era, efetivamente, uma ‘rua’, e brincava num
caminho em direção à Ria Formosa, murado no qual era frequente a vontade de
“pular o muro e mijar do lado de lá”
(parafraseando, livremente, o Professor António Quadros).
Não
era o único, mas às vezes fazia-o sozinho. Acho que não gostávamos muito do
dono daquelas terras (apesar das árvores de fruto!...).
O ‘lado
de lá’ era do outro. Era daquele que nos
era estranho, vigilante e até agressivo. Mas era, também, um campo aberto à
aventura e à descoberta, tal como o era junto à Ria Formosa, ‘lá em baixo’.
Os
primeiros desenhos que fiz na (e da) rua foram das fachadas (com portas, janelas
e decoradas platibandas) em frente à minha casa, sentado no chão ou no banco
caiado.
Mais
tarde, desenhei a ponte antiga de Tavira com o skyline do castelo.
Já
a viver no Porto, mas em férias, desenhei no Algarve uma bananeira que ficava próximo
da passagem de nível, junto ao poço, no fim da “estrada de baixo”.
A minha
casa tinha, ‘para a rua’ (como outras) uma porta, uma janela, um portão e um muro.
Não era grande, mas eu achava que era bonita e acolhedora. O quintal não ficava
atrás da casa, mas ao lado, permitindo, através de um portão em zinco (de duas
folhas), uma ligação alternativa pela cozinha.
Nessa
rua, que era ‘minha’, dos meus amigos e dos vizinhos (mas também de quem por lá
passava), as casas encostavam-se, alinhadas pelas outras, em linha reta, e
qualquer mudança desse ‘preceito’ (ou de volumetria) adquiria um especial
significado.
Havia
gradeamentos e árvores ao longo da rua, tal como muitos caminhos e outras ruas
perpendiculares.
Depois
das curvas, vinham outros tramos retos.
Não
vivia numa cidade, mas morava numa rua que ali não era estrada. Sim, porque ‘a
125’ é uma estrada extensa e perigosa, sobretudo para quem mora lá e a quer
atravessar a pé.
Na
estrada os carros andavam a outra velocidade e era um pouco mais perigoso
andar, aí, de bicicleta. Ainda hoje se anda muito de bicicleta na minha aldeia
(que agora é vila).
Também
havia a rua da Estação, umas bombas de gasolina, um cemitério e um campo de
jogos.
Nunca
soube jogar à bola, mas jogava. Deixei de tentar aos quinze anos.
Mais
tarde, quando a brincadeira intermitia, comecei a gostar de conversar com
amigos, e isso podia fazer-se nos cafés e na rua, até de madrugada. A noite
começava a estar ‘mais perto’, e as horas de chegada a casa alteravam-se.
Também
estava perto da ria, mas, aí, as aventuras eram mais perigosas porque estávamos
sozinhos e, quando anoitecia, aquele caminho murado, a “estrada de baixo”, era
muito escuro.
Eram
os medos a ultrapassar.
Esse
caminho já quase não existe, pois, do ‘lado de lá’ daquele muro que nós
pulávamos, construíram umas casas (um ‘aldeamento’ ou condomínio a imitar o
‘típico’ e ‘antigo’, locais) que, segundo julgo saber, agradam as pessoas da
aldeia.
É
certo que muita coisa mudou em vinte e sete anos. Muita coisa melhorou, mas o
que piorou parece ter sido a desertificação daquela rua.
Curioso
será este facto, pois, esta, parece ser a condição de muitos centros históricos
das grandes cidades, como de aldeias por esse ‘interior’ de Portugal adentro.
Será
que a desertificação só se efetiva (ou reconhece) nas ruas, onde as casas são
contíguas e alinhadas (mesmo com algumas desviantes)?
Como
será a desertificação na Rua da Estrada?
Não
há?
Ou
os ‘abandonos’ integram, com facilidade, a ‘encenação’ desse ‘modelo’ de
ocupação física do território?
Na
minha rua também havia prédios altos com três pisos, e os que me lembro eram
recuados em relação ao alinhamento dominante.
Havia
(e há) algumas extensões deste arruamento com muros (uns altos e caiados,
outros com gradeamentos e árvores de grande porte).
Não
sei se alguém ‘desenhou’ esta rua, mas ela tem uma ordem reconhecida e um
conjunto de exceções que a qualificam e diferenciam os seus pequenos lugares.
Sim,
porque há lugares dentro de lugares, como cavernas dentro de cavernas.
Em
Tavira era outra coisa. Havia um rio e várias pontes (uma muito antiga). Havia um
castelo, a praça da câmara, a ‘praça’ do mercado e muitas igrejas e capelas
(mais de trinta!...). Era uma cidade com grande e longa história. Sabíamos
disso.
Também
por Tavira podíamos ir à praia, mas nós tínhamos alternativas.
Também
havia Olhão e Faro, mas isso era longe.
Ainda
mais longe havia Albufeira, Quarteira, Vilamoura, Portimão, Loulé e Lagos… tudo
do ‘outro lado’.
Depois
de Tavira, Conceição, Cacela, Manta Rota e Monte Gordo, era Vila Real de Santo
António. Depois Aiamonte, em Espanha.
A
duas horas de viagem ficava Sevilha,… que era bonita.
Depois
vim embora.
domingo, 29 de março de 2015
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